Cássio Scapin conta como era ser aluno do Célia Helena - Escola de Teatro Célia Helena Inglês
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Cássio Scapin conta como era ser aluno do Célia Helena

Em entrevista à escola, o ator também relembra seu tempo de professor na Casa do Teatro

São quase 40 anos de carreira, mas, destes, cerca de 18 meses foram determinantes na vida de Cássio Scapin: foi este o tempo de gravação do seriado infantil “Castelo Rá-Tim-Bum”. A atração foi ao ar pela primeira vez em 1994 e fez com que o ator ficasse nacionalmente conhecido como o intérprete de Nino, o garoto de 300 anos.

Scapin, no entanto, não se resume ao personagem. Homem de teatro, já mantinha uma carreira sólida no palco, tendo começado cedo, aos 14 anos, como aluno do Teatro-Escola Célia Helena. Anos depois, ainda antes do “Castelo”, voltaria à instituição para comandar turmas de jovens alunos na Casa do Teatro.

Cássio Scapin como Nino, em meio aos colegas de “Castelo Rá-Tim-Bum” – ULTRA CURIOSO/REPRODUÇÃO

O Blog Célia Helena bateu um papo com Scapin para relembrar os tempos de aluno e professor, além de sua amizade com a própria Célia. Confira os melhores momentos dessa conversa.

Blog Célia Helena: Quando começa a sua relação com o Célia Helena?

Cássio Scapin: Em 1979. Eu tinha uns 14 e descobri, por meio de uma reportagem na TV, que existia o Teatro-Escola Célia Helena no bairro da Liberdade. Era um teatro lindo na rua Barão de Iguape, que infelizmente não pertence mais à escola.

Eu sempre tive interesse em teatro. Na zona norte de São Paulo, onde fui criado, eu já participava de uma companhia de teatro amador. Quando fiquei sabendo do Célia, passei a trabalhar em um banco como contínuo — o que hoje chamam de office boy. Com o dinheirinho que eu ganhava lá, bancava meu curso de teatro.

BCH: E que curso você fazia no Célia?

CS: Era um curso livre. Tínhamos aulas aos sábados, o dia todo, e nas noites de quarta. Eu trabalhava em horário comercial e ia para a escola à noite. Então comecei a cabular aula para estudar teatro toda quarta-feira.

A turma tinha 12 pessoas com idades que variavam de 14 a 30 anos. Mais nova que eu, só a Lili Bombom, filha da Lulu Librandi (produtora cultural, foi secretária internacional do Ministério da Cultura nos anos 1980 e era próxima de grandes nomes das artes cênicas, como Raul Cortez e Ruth Escobar). A Célia Helena costumava dividir as turmas de acordo com o que sentia da personalidade de cada aluno. Inclusive acabei conhecendo um primo meu, Ari Scapin, que também fazia parte da turma.

BCH: O que fazia você gostar de estudar no Célia?

CS: A própria Célia. A gente tinha aula com ela. Na época, ela era conhecida pelos trabalhos na TV Globo. Eu também a conhecia pelas citações no programa “Aventura do Teatro Paulista”, da TV Cultura, que falava sobre a fundação do Teatro Brasileiro de Comédia, a Escola de Arte Dramática (EAD), além de histórias sobre o Teatro Oficina e o Arena. Ah, e eu também tinha a visto em cena no espetáculo “Rezas de Sol para a Missa de um Vaqueiro”.

BCH: E como era ter aulas com a Célia?

CS: Ela era uma pessoa muito especial, uma atriz bárbara. Tinha um envolvimento com o espiritismo. Não falava sobre a religião em aula, mas os ideais estavam presentes na maneira como ela raciocinava: não prezava por uma questão profissionalizante na escola, mas acreditava que o teatro fazia com que o aluno se tornasse uma pessoa melhor, mais empática, o que reverberava em outros quesitos da vida do aprendiz.

Era uma visão muito voltada para o humanismo, que fazia com que percebêssemos o teatro não como uma mera questão de sucesso e sobrevivência, mas de entender o valor do teatro. Essa era uma filosofia da geração da Célia e que não era restrita a ela. Artistas como Myriam Muniz e Nicette Bruno também trabalhavam com esse raciocínio de teatro acolhedor.

Cássio Scapin: formação no Célia Helena deu a base para seus diversos trabalhos no teatro – DIVULGAÇÃO

BCH: Como essa filosofia era transmitida em aulas?

CS: Ela colocava isso por meio do trabalho com personagens. Ela era adepta do sistema Stanislavski, talvez por ter trabalhado com Eugênio Kusnet, que foi quem trouxe as ideias do russo para o Brasil. Célia nos apresentava livros básicos dessa formação, como “A Preparação do Ator” e “A Construção da Personagem”, acrescentando sua releitura brasileira dessas obras. A transmissão desse conhecimento para os alunos era bastante próxima. Ela era uma mentora.

Além das aulas com a Célia, também aprendíamos interpretação com a Clênia Teixeira e tínhamos aulas de corpo com a bailarina Marina Mesquita.

BCH: O que o Célia te ensinou que você leva até hoje na sua profissão?

CS: Pela formação que eu tive no Célia, fiquei mais seletivo com os trabalhos que topo fazer. Vou pelo gosto, pela identificação com o que a peça comunica. Isso me deixou menos embrutecido com a questão mercadológica da profissão, mesmo depois do “Castelo Rá-Tim-Bum”.

No sentido do palco, lembro-me de algo que a Célia dizia: “coloque-se em situação”. Depois de um tempo é que fui entender o que ela queria dizer com isso. Você tem o texto pronto, o personagem, a emoção. Mas tem uma coisa que acontece no concreto. Aqui e agora. Estar lá — é isso que ela dizia. Não se deve chegar pronto na cena. Temos de ser maleáveis. É o que o Peter Brook (diretor britânico de teatro) chama de liberdade difícil: você pode ter tudo pronto, mas tem de ter a possibilidade de abandonar tudo isso. Ter o domínio da cena, mas ficar livre para que as coisas possam acontecer com a energia daquele momento, senão o espetáculo fica morto.

BCH: Você voltou ao Célia Helena tempos depois, para trabalhar como professor. Como foi essa experiência?

CS: A própria Célia me convidou para dar aula lá. Foi um atestado de confiança pra mim. Na época, início dos anos 1980, ela estava começando a montar a Casa do Teatro, no Pacaembu, e me chamou para compor o time de professores. Eu dava aula para adultos e adolescentes e trabalhava Brecht com os alunos, autor que eu tinha estudado bastante durante minha passagem na Escola de Arte Dramática.

BCH: A sua relação com a Célia era de bastante proximidade. Que lembrança você guarda dela?

CS: Ficamos bastante amigos e tenho muitas lembranças. Mas há uma história engraçada. No período em que eu estudei no Célia, ela estava em cartaz com a peça “Numa Nice” no Teatro Anchieta, em São Paulo. Como atriz, a Célia tinha um jeito muito próprio de representar — e todos que aprenderam com ela tiveram um pouco desse desenho, assim como a Marília Pêra tinha e o Marco Nanini tem coisas da Dulcina de Moraes.

Naquele momento, estávamos fazendo um espetáculo na escola que tinha uma personagem com figurino muito parecido com o que a Célia usava em “Numa Nice”. Um dia, vesti esse figurino e fiz uma cena que ela fazia na peça, fazendo uma imitação mesmo. Só que eu não sabia que ela estava no teatro. Ela viu tudo e ficou possessa! Achou que eu estava zombando, mas era para ser absolutamente elogioso.

Lembro-me dela com uma roupa que usava sempre: saia de lã verde-musgo, botas marrons, cashmere bege e um cardigã listrado. Ela corria de um lado pro outro dizendo: “Você é uma laranja podre! Está estragando as outras laranjas do cesto!”. Fiquei chocado, porque eu a adorava. Ela impunha um respeito, mas, em geral, era muito carinhosa.

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